Uma das primeiras frases que ouvi há muitos anos atrás quando comecei a minha formação no mundo da nutrição natural e terapêutica, foi relativa à mastigação: devemos “beber o sólido e mastigar o líquido.” Mais conhecida por ser empregue pelo pai da Macrobiótica - George Ohsawa - sendo no entanto da autoria de Gandhi. A frase é simples, directa e diz tudo!
Como exemplo ilustrativo deste conceito, durante a minha adolescência, lembro-me de estar a voltar da praia num dia quente de Verão e estar cheia de sede. No bar da praia peço um sumo de cenoura, mas a sede era tanta que bebi o sumo como se de água se tratasse e passado pouco tempo estava cheia de dores de barriga! Achei estranho mas hoje entendo o motivo. Saltei etapas do processo digestivo! Apenas a água e o chá podem ser bebidos assim, os restantes líquidos - sopas, sumos, batidos - não.
Porquê? Vejamos então as razões pelas quais devemos mastigar (muito) bem todos alimentos que ingerimos:
1- O processo digestivo começa na boca (e não no estômago). Os hidratos de carbono começam a ser digeridos ainda na boca através de enzimas como a amilase (ou ptialina), presentes na nossa saliva. Daí ser importante envolver também os líquidos em saliva - sopas, sumos, batidos - uma vez que estes necessitam desta enzima para que os hidratos de carbono comecem a ser convertidos.
2 - Ao mastigarmos adequadamente, fazemos com que as secreções do estômago aumentem e que a acção do suco gástrico seja maior sobre os alimentos, permitindo que todo o processo digestivo seja correcto, evitando desconforto abdominal, gases, sensação de enfartamento e dores de estômago.
3 - Quanto mais mastigarmos um alimento, menos energia gastamos na digestão e mais proveito bioquímico retiramos desse alimento.
4- Mastigar lentamente sim, mas… quantas vezes? O ideal é que mastiguemos entre 15 a 50 vezes cada pedaço. Sim… leram bem, estas vezes todas! :) Eu diria que no meio está a virtude e por isso aconselho-vos que mastiguem 30 vezes cada garfada. E acreditem que já é muito comparado com as 7 ou 8 vezes que muitos de nós fazemos. Experimentem na vossa próxima refeição!
5 - Os sabores, cores, cheiros e texturas contêm valiosas informações para o organismo, activando determinados órgãos - dependendo dos estímulos recebidos. Os alimentos ganham outro sabor durante uma mastigação prolongada - o arroz por exemplo, fica mais doce.
6 - Controlar a mastigação ajuda-nos a estar mais presentes, mais conscientes, evitando a compulsividade e trazendo outra dimensão ao acto de nutrir. Mastigar bem fomenta a paciência. Efectivamente, quanto mais atenção colocamos no acto de mastigar, mais presentes no agora estaremos durante a refeição e mais despertos e perceptivos estaremos depois desta.
7- Mastigar bem é um dos melhores tratamentos anti-stress existentes, promove a calma e o relaxamento. Concentrarmo-nos no acto de mastigar ajuda a reduzir o stress, sempre estejamos num espaço de refeição tranquilo, onde comemos sem estarmos ao telemóvel ou a vermos as notícias. Nutrir o nosso corpo é um acto sagrado e os nossos pensamentos e sentimentos influenciam o processo digestivo.
8 - O circuito cérebro/estômago demora cerca de 15 a 20 minutos a lançar a mensagem de saciedade. Caso comamos muito rápido, comeremos muito mais do que realmente necessitamos. Deste modo uma correcta mastigação contribui para um peso corporal adequado e é um factor fundamental nas dietas de emagrecimento.
9- Ao nível energético, os dentes são estruturas que acumulam energia, onde cada dente alterna (lateralmente) entre uma cara negativa (yin) e positiva (yang). O maxilar superior concentra a energia celeste e o maxilar inferior a terrestre. Ao mastigarmos, energizamos e revitalizamos o alimento. Autores como Louis Kervran (1) defendem inclusive que uma mastigação correcta poderia desempenhar um papel alquímico, favorecendo transmutações biológicas.
(1) Kervan, C.Louis - Biological Transmutation (Second Edition) - George Ohsawa Macrobiotic Foundation, California